sábado, 14 de junho de 2008

CGU lista 94 irregularidades na Unifesp, que omite gastos

CGU lista 94 irregularidades na Unifesp, que omite gastos

Alvo da CPI dos Cartões, universidade deixou de apresentar contas de R$ 178 mi

Controladoria apontou em 2005 e 2006 problemas na entidade como "risco de sobrepreço" e "pagamentos sem processo licitatório"

LAURA CAPRIGLIONE
FERNANDO BARROS DE MELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Estrela involuntária na CPI dos Cartões depois de constatado que tinha feito gastos de caráter estritamente pessoal e pendurado a conta (de cerca de R$ 12 mil) na fatura do governo, o reitor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), Ulysses Fagundes Neto, terá de se explicar no TCU (Tribunal de Contas da União) a respeito de contas que envolvem cifras bem mais vultosas.
Ainda não há previsão para o julgamento dessas contas, referentes a 2005 e 2006. Só em 2005, auditoria da CGU (Controladoria Geral da União), regional São Paulo, apontou falta de prestação de contas de mais de R$ 178 milhões.
Nas auditorias da CGU aparecem problemas que vão muito além do cartão corporativo: "falta de prestação de contas", "pagamentos sem processo licitatório", "direcionamento em processos de dispensa de licitação", "imóveis pertencentes à Unifesp utilizados comercialmente por terceiros ou sem utilização", "risco de sobrepreço".
A lista completa tem 27 irregularidades e impropriedades em 2005 e 67 em 2006.
Um funcionário público federal qualificou o conjunto da obra como "candidato ao Oscar de efeitos especiais de ocultação de malfeitorias".
No relatório de 2005, por exemplo, a CGU acusa a "prática sistemática de transferir a execução das despesas para a SPDM -Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina [entidade de direito privado que atua como mantenedora do Hospital São Paulo e de mais quatro hospitais no Estado de São Paulo]".

Segundo um docente que prefere se manter incógnito, a Unifesp arca com a maioria dos custos e transfere os recursos para a SPDM executar o trabalho em seu nome -na presunção de que a entidade privada passe por controles menos rigorosos do que os aplicáveis à administração universitária.
A CGU constatou que a Unifesp repassou à SPDM em 2005 R$ 203.390.592,07 provenientes do Ministério da Saúde, do Fundo Nacional de Saúde, além de convênios "firmados por Estado e municípios com a Unifesp como convenente".
Em 2005, entretanto, a SPDM só franqueou à controladoria a relação dos pagamentos que totalizaram 12,07% do valor repassado pela Unifesp à SPDM, ou R$ 24.545.991,25.
Quanto aos demais R$ 178.844.600,82, a SPDM não justificou os gastos realizados, argumentando que, como empresa privada sem fins lucrativos, não tem "obrigação legal de permitir a devassa de sua contabilidade pela CGU".
A CGU não aceitou o argumento. Considerou que se trata de "omissão dolosa no cerceamento de acesso à execução orçamentária terceirizada".

Diagnóstico
Em outra relação, com a Secretaria Municipal de Saúde, mais problemas. Em fevereiro de 2005, a prefeitura contratou com dispensa de licitação a execução de serviços laboratoriais pela Unifesp. Aceitou a Afip (Associação Fundo de Serviço à Psicofarmacologia), entidade sem fins lucrativos presidida pelo vice-reitor da Unifesp, Sergio Tufik, como interveniente. Na prática, o convênio, que previa remuneração mensal de até R$ 2.837.767,01, implicava a universidade em responsabilidade trabalhistas, previdenciárias, sociais, fiscais e comerciais resultantes de vínculo empregatício. A Unifesp não recebeu nem sequer a prestação de contas das despesas efetuadas.
Diz a CGU: "A Afip funciona com os mesmos recursos humanos e físicos (funcionários e endereço) de um dos maiores laboratórios privados de São Paulo, o Centro de Diagnósticos Brasil (CDB)".

Cruzando os CPFs de funcionários da Unifesp e os de sócios de empresas registradas no CNPJ, a controladoria afirma que o vice-reitor da Unifesp é também sócio de diversos empreendimentos comerciais, entre os quais destaca-se a empresa SIT Sistemas Hospitalares e Diagnósticos Ltda., cujo nome de fantasia é Centro de Diagnósticos Brasil. Tufik figura como dono de 57,5% da SIT.
Tufik também possui 55% da empresa TKS Sistemas Radiológicos Ltda., que tem mesmo endereço do CDB.
Segundo a auditoria, a relação Unifesp-Afip-CDB-TKS apresenta "dificuldade em delimitar o público do privado do ponto de vista da prestação do serviço e da destinação da receita". Avaliação sobre a atitude do gestor: "Ação dolosa."
Os relatórios de auditoria da CGU-Regional São Paulo incluem pagamentos em duplicidade a funcionários, dispensa de licitações para obras de ampliação de instalações e até para a aquisição de 700 cadeiras universitárias para o novo campus da Baixada Santista.
As últimas contas da Unifesp apreciadas pelo TCU foram as de 2003, quando o reitor era Hélio Egydio Nogueira e o vice, Ulysses Fagundes. Na ocasião, o TCU considerou ter havido "reincidência no descumprimento de determinações do tribunal". Multou o reitor e seu vice em R$ 3.000 cada um.

Folha de São Paulo - 11 de junho de 2008

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